| Classe |
Apelação Cível |
| Tipo Julgamento |
Mérito |
| Assunto(s) |
Adoção de Maior, Relações de Parentesco, Família, DIREITO CIVIL |
| Competência |
TURMAS DAS CAMARAS CIVEIS |
| Relator |
MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS |
| Data Autuação |
12/08/2025 |
| Data Julgamento |
17/09/2025 |
EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS E INEQUÍVOCAS DA POSSE DE ESTADO DE FILHO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO DE CUJUS. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação interposta em face de Sentença que julgou improcedente pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva post mortem, cumulada com petição de herança, em razão da ausência de provas robustas quanto à posse do estado de filho. O autor sustentava ter sido criado pelo falecido e sua esposa desde a infância, pretendendo ser reconhecido como herdeiro.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em verificar se houve comprovação suficiente, nos autos, da filiação socioafetiva entre o autor e o falecido, apta a gerar efeitos sucessórios, notadamente diante da ausência de manifestação inequívoca de vontade do pretenso pai em vida.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A filiação socioafetiva exige prova inequívoca da posse do estado de filho, mediante a presença dos elementos clássicos: tractatus (tratamento como filho), nomen (uso do nome da família) e reputatio (reconhecimento social).
4. A prova documental e testemunhal revelou contradições e fragilidade, demonstrando que o autor era tratado como afilhado, sem uso do sobrenome da família, nem reconhecimento social inequívoco como filho.
5. A certidão de batismo, na qual o casal consta como padrinho, confirma a natureza espiritual do vínculo, não sendo elemento caracterizador de parentalidade.
6. A ação trabalhista ajuizada pelo autor em face do falecido evidencia relação contratual, incompatível com a tese de filiação socioafetiva, fragilizando o alegado vínculo filial.
7. A requerida declarou expressamente em juízo que o autor era apenas afilhado, inexistindo intenção sua ou do marido de reconhecê-lo como filho.
8. O reconhecimento post mortem da filiação não pode decorrer de presunção, devendo ser comprovada a inequívoca manifestação de vontade do pretenso pai em vida, inexistente no caso concreto.
9. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal exige cautela na configuração da filiação socioafetiva, a qual não pode ser presumida, sobretudo em hipóteses de reconhecimento post mortem.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Recurso desprovido. Mantida a Sentença de improcedência. Honorários majorados em 2% (dois por cento), nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, permanecendo suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça.
Tese de julgamento:
1. O reconhecimento da filiação socioafetiva exige prova robusta e inequívoca da posse do estado de filho, a partir dos elementos clássicos -- tractatus, nomen e reputatio -- não sendo suficientes indícios de afeto ou convivência intermitente.
2. A inequívoca manifestação de vontade do pretenso pai em vida é pressuposto indispensável para a configuração da filiação socioafetiva, especialmente em hipóteses de reconhecimento post mortem.
3. A mera relação de cuidado ou acolhimento humanitário, bem como vínculos religiosos de apadrinhamento, não se confundem com filiação socioafetiva, vedada sua presunção pela ordem jurídica.
4. A ação trabalhista ajuizada pelo suposto filho em face do pretenso pai afetivo constitui elemento probatório que enfraquece a tese de vínculo filial, por evidenciar relação patrimonial dissociada da filiação.
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Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 1.593 e 1.596; Código de Processo Civil, art. 373, I, e art. 85, § 11.
Jurisprudência relevante citada no voto: STF, RE 898060, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 21.09.2016, DJe-187, 24.08.2017; STJ, REsp 2148625, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 26.06.2024; STJ, REsp 1.330.404/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 05.02.2015, DJe 19.02.2015; TJ-GO, Apelação Cível nº 5104318-98.2021.8.09.0029, Rel. Des. Fernando Ribeiro Montefusco, 6ª Câmara Cível, j. 18.09.2024.1
(TJTO , Apelação Cível, 0002129-18.2023.8.27.2726, Rel. MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS , julgado em 17/09/2025, juntado aos autos em 23/09/2025 17:38:08)