Classe |
Apelação Cível |
Tipo Julgamento |
Mérito |
Assunto(s) |
Obrigação de Fazer / Não Fazer, Liquidação / Cumprimento / Execução, DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO |
Competência |
TURMAS DAS CAMARAS CIVEIS |
Relator |
ADOLFO AMARO MENDES |
Data Autuação |
17/02/2023 |
Data Julgamento |
22/03/2023 |
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AÇÃO AJUIZADA POR FILHA DE PESSOA FALECIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ENTE PÚBLICO. OBJETIVA (ART. 37, §6º, CF). DIVULGAÇÃO, EM MÍDIA DO MUNICÍPIO DE COLINAS DO TOCANTINS-TO, DO NOME E IDADE DA PRIMEIRA PESSOA VÍTIMA DE COVID-19 NOS LIMITES MUNICIPAIS. CERTIDÃO DE ÓBITO INDICANDO, COMO CAUSA MORTIS, "DOENÇA RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE", SEM FAZER MENÇÃO À COVID-19. DIVULGAÇÃO DE DADOS PESSOAIS QUE CONFIGURA CONDUTA ILÍCITA (INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, §2º, DA LEI 13.979/2020). DANOS MORAIS, TODAVIA, NÃO EVIDENCIADOS. RECEIO DE APROXIMAÇÃO QUE É DECORRÊNCIA DO CONTEXTO PANDÊMICO. NEXO CAUSAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Cuida-se de ação ajuizada por filha de pessoa falecida no contexto da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus (Covid-19), na qual se alega que a divulgação do nome e idade da falecida, em notícia que informou ser esta a primeira vítima de Covid-19 nos limites territoriais do Município de Colinas do Tocantins-TO, configurou ato ilícito ensejador de danos morais, pelo fato de não constar, na certidão de óbito da de cujus, como causa mortis, referida doença.
2. No caso dos autos, ficou comprovado que a genitora da autora foi internada no Hospital Municipal de Colinas com quadro de suspeita de Covid-19, contudo, o resultado do exame laboratorial de swab só ficou pronto no dia do falecimento, só vindo a ser de conhecimento do corpo médico do hospital após o falecimento. Por esse motivo, a causa mortis não foi registrada, na certidão de óbito, como Covid-19, mas como "doença respiratória aguda grave".
3. Põe-se em questão se o nome e a idade da falecida poderiam ter sido divulgados pelo Município de Colinas do Tocantins, em face do momento pandêmico vivido. A questão deve ser dirimida à luz do art. 6º, §2º, da Lei nº 13.979/2020, que prevê, expressamente, a obrigação de compartilhamento, entre órgãos públicos, de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade específica de evitar a sua propagação, fazendo ressalva, todavia, ao sigilo das informações pessoais. Todavia, para responder ao questionamento, não se pode fazê-lo somente com recurso à interpretação literal da lei, mas também levando em conta o interesse público colidente, relativamente ao conhecimento sobre os casos médicos de Covid-19, durante o contexto pandêmico.
4. Deve-se considerar que o Supremo Tribunal Federal vem julgando no sentido de conferir, à liberdade de expressão, uma posição preferencial prima facie frente aos direitos de personalidade, em razão de a liberdade de expressão ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades (vide Recl. 22328, Rel. Min. Roberto Barroso, julgada em 06/03/2018; ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgada em 27/02/2008, etc.). Isso não significa que, no caso concreto, a liberdade de expressão (incluído o direito de informar) sairá sempre sobressalente, mas, tão somente que deve ser considerado o interesse dos cidadãos em geral de saber sobre fatos que importam para a coletividade.
5. No caso dos autos, deve-se distinguir, portanto, entre o interesse público e o interesse do público. É certo que a população em geral teria interesse em saber das circunstâncias nas quais ocorreu a morte de vítima da Covid-19, quanto a isso, não há dúvidas. Por outro lado, não se verifica um interesse direto da sociedade de saber quem faleceu como vítima de Covid-19, isto é, a pessoa individualizada que foi acometida pelo vírus e veio a falecer. A informação divulgada pelo Município de Colinas poderia informar a população da morte sem fazer referência ao nome da falecida. O nome da falecida, na verdade, não era de interesse público, mas sim interesse do público, e sua divulgação contribuiu, meramente, para a satisfação da curiosidade coletiva. Com isso, infere-se que a divulgação do nome e idade da falecida, pelo município de Colinas do Tocantins, violou o disposto no §2º, do art. 6º, da Lei nº 13.979/2020, configurando ato ilícito.
6. Com relação ao dano moral decorrente da divulgação de dados pessoais de pessoa falecida, não se pode recorrer à presunção de que é ocorrente in re ipsa, pois a aplicação de forma irrestrita da presunção de dano no terreno da proteção de dados pessoais importaria em risco demasiado de situações desproporcionais. Nesse passo, entende-se que os danos morais, em caso de violação do direito de proteção de dados pessoais, devem ser comprovados, não se aplicando qualquer tipo de presunção sobre a sua ocorrência.
7. No caso dos autos, a autora/recorrente, alega ter sofrido preconceito por parte da sociedade, porque as pessoas não queriam se aproximar da família da primeira vítima do Covid-19, com medo do contágio e morte.
8. Ao contrário do que alega a recorrente, não se pode inferir, dessa situação, a ocorrência de danos morais. Não se pode dizer que existe um nexo causal entre o sentimento coletivo de não querer aproximação com outras pessoas, em contexto de pandemia, e a reportagem veiculada na mídia do ente público. A Lei nº 13.979/2022 previa medidas de isolamento e quarentena, portanto, não pode a recorrente alegar que há dano decorrente do fato de outras pessoas não quererem se aproximar. É certo que no contexto da pandemia, ninguém queria se aproximar de ninguém, pois fez parte do contexto pandêmico a necessidade de isolamento.
9. Assim, embora esteja presente a prática de ato ilícito, não há dano moral indenizável, nesse caso, pois não se vislumbra o nexo causal direto entre o ato praticado pelo Município de Colinas e o fato de as pessoas não quererem se aproximar dos familiares da falecida, pois isso ocorreria independentemente de ter sido veiculada a notícia sobre o falecimento nas redes municipais, dado o cenário de pandemia vivenciado.
10. Recurso não provido.
(TJTO , Apelação Cível, 0002270-47.2021.8.27.2713, Rel. ADOLFO AMARO MENDES , julgado em 22/03/2023, juntado aos autos 31/03/2023 09:35:35)