Classe |
Apelação Criminal (PROCESSO ORIGINÁRIO EM MEIO ELETRÔNICO) |
Tipo Julgamento |
Mérito |
Assunto(s) |
Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas, Crimes Previstos na Legislação Extravagante, DIREITO PENAL |
Competência |
TURMAS DAS CAMARAS CRIMINAIS |
Relator |
ADOLFO AMARO MENDES |
Data Autuação |
07/07/2022 |
Data Julgamento |
31/01/2023 |
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. DIREITO FUNDAMENTAL. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. REALIZAÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL E EMBASADA EM INFORMAÇÕES REPASSADAS PELO SIOP. EXCEÇÃO À REGRA QUE DEVE SER OBSERVADA, DESDE QUE HAJA A LAVRATURA DE AUTO CIRCUNSTANCIADO OU, MINIMAMENTE, ELEMENTOS CIRCUNSTANCIAIS A JUSTIFICAR MEDIDA TÃO INVASIVA POR PARTE DOS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA - POLICIAIS MILITARES. INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO NÃO OBSERVADA. CONDUTA ILÍCITA. ILICITUDE DAS PROVAS DELA DECORRENTES. NULIDADE RECONHECIDA. INUTILIZAÇÃO, POR SER UMA NÃO PROVA. INEXISTÊNCIA DA MATERIALIDADE DELITIVA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.
1. A inviolabilidade de domicílio é um direito fundamental consagrado, só podendo ser sacrificado em flagrante delito, desastre, socorro a alguém ou, durante o dia, por determinação judicial (art. 5º, inciso XI, da CF). Assim, o ingresso na casa de alguém, fora dessas hipóteses, é indevido e, por parte de agentes de segurança, ilícito e abusivo, acarretando, quando não observadas, a nulidade das provas obtidas através dessa violação.
2. O STF, no RE 603.616/RO, com repercussão geral (Tema 280), assentou que, nos casos de crimes permanentes, a busca e a apreensão domiciliar sem mandado judicial é permitido, desde que estejam demonstrados, previamente, elementos mínimos a caracterizar a justa causa para a medida invasiva, conduta essa sujeita à posterior análise pelo Estado-Juiz, sob pena de responsabilização dos agentes e nulidade dos atos praticados.
3. O STJ, no HC n. 598.051/SP, julgado em 02/03/2021, consignou que, ante uma lacuna para melhor regulamentação do tema, a inviolabilidade de domicílio deve ser sempre a regra a ser observada, ficando a exceção aos casos previstos na Constituição, sob pena de nulidade das provas obtidas por meio da violação desse direito fundamental, estabelecendo, por sua vez, o prazo de um ano para que, confeccionando-se auto circunstanciado e registro audiovisual de toda a ação, haja a adequação das forças policiais ao conteúdo da decisão, prazo esse que finalizou em 2/3/2022.
4. Para que as forças de segurança se resguardem de eventuais responsabilidades decorrentes de uma conduta atentatória ao direito fundamental da inviolabilidade de domicílio, salvaguardando, por outro lado, as provas obtidas com a prisão em flagrante do agente em crime de tráfico ilícito de drogas, é imprescindível que haja o detalhamento pormenorizado das circunstâncias que o levaram ao tal modo de agir e também justifiquem, posteriormente ao ingresso, toda a ação desenvolvida, permitindo-se, dessa forma, uma análise rigorosa pelo Estado-Juiz, como garantidor.
5. No caso, os policiais militares que efetuaram a prisão em flagrante chegaram à residência do apelante através de informações repassadas pelo SIOP da corporação de que nela havia uma motocicleta branca com restrição de roubo/furto, ocasião na qual, não encontrando o referido veículo automotor, este teria autorizado, prontamente, a entrada dos castrenses em seu domicílio, tendo sido, então, encontrado dentro da geladeira porções de substância análogas à maconha e, sobre o referido utensílio doméstico, uma balança de precisão, indicando a mercancia.
6. Nesse contexto, ainda que o crime de tráfico ilícito de entorpecente seja de natureza permanente, protraindo-se no tempo, a possibilitar a prisão em flagrante, o relato dos policiais militares de que foi franqueado o acesso ao interior do domicílio, circunstância essa negada pelo apelante, sem a competente lavratura do auto circunstanciado detalhando toda a diligência, desde as informações prestadas pelo SIOP até a efetiva prisão em flagrante, no qual, inclusive, pudesse assinatura de testemunhas e do apelante, não justifica, à luz da Constituição Federal, a busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial.
7. Se as informações foram repassadas pelo SIOP da corporação, caberia aos policiais militares, ao chegarem à delegacia de polícia, terem se munido de todos os dados, repassando-os à autoridade policial, para que, minimante, as circunstâncias que os levaram à residência do apelante pudessem ser controladas. Mais ainda, à míngua da confecção do auto circunstanciado, caberia aos castrenses também ter se solicitada a presença de uma testemunha para validar a sua entrada consentida no domicílio do apelante, conduzindo-a, igualmente, para a delegacia de polícia.
8. A ilicitude da busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial e, sobremodo, sem justificativa plausível para sua efetivação, como ressaltado alhures, acarreta a nulidade de todas as provas consequentes, conforme se depreende da doutrina do fruto da árvore envenenada, segundo a qual as provas obtidas em razão de violação a direito material são inegavelmente ilícitas, assim como o são também todas as que dela derivarem, salvo quando não comunicáveis, seja porque não há nexo de causalidade, seja porque poderiam ter sido obtidas por uma fonte independente.
9. Permitir o ingresso na residência de alguém fora das hipóteses constitucionais e legais e sem a devida justificativa, que deve ser clara, circunstanciada e posterior, é andar de mãos dadas com as práticas ilegais e abusivas, coisa que o Estado-Juiz não deve tolerar ou mesmo ressoar, resguardando, assim, o direito à inviolabilidade do domicílio dos cidadãos que caminham os trilhos da retidão e da legalidade, cuja proteção não é voltada aos criminosos, mas para o cidadão que não comete crimes e que deve ter o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio preservado.
10. Diante desse quadro fático e jurídico, considerando que a busca e apreensão e todas as provas dela decorrentes são provas ilícitas, a exemplo do auto de busca e apreensão, do laudo de constatação de substância entorpecente, tanto preliminar quanto definitivo, não há prova da materialidade do fato relativo ao tráfico ilícito de drogas, devendo o apelante, por conseguinte, ser absolvido da imputação que lhe foi feita.
11. Recurso conhecido e, no mérito, provido, para, reconhecendo a nulidade da busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial e de todas as provas dela decorrentes, reformar a sentença e, ausente a prova da materialidade delitiva, absolver o apelante da imputação descrita na denúncia, consoante art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal.1
(TJTO , Apelação Criminal (PROCESSO ORIGINÁRIO EM MEIO ELETRÔNICO), 0008049-32.2021.8.27.2729, Rel. ADOLFO AMARO MENDES , julgado em 31/01/2023, juntado aos autos em 10/02/2023 13:34:20)