Classe |
Apelação Criminal |
Tipo Julgamento |
Mérito |
Assunto(s) |
Feminicídio, Crimes contra a vida, DIREITO PENAL, Crime Tentado, DIREITO PENAL |
Competência |
TURMAS DAS CAMARAS CRIMINAIS |
Relator |
GIL DE ARAÚJO CORRÊA |
Data Autuação |
17/06/2025 |
Data Julgamento |
16/09/2025 |
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. TENTATIVA DE FEMINICÍDIO. QUESITO ABSOLUTÓRIO GENÉRICO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. CASSAÇÃO DO VEREDITO. NOVO JULGAMENTO DETERMINADO. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação criminal interposta pelo Ministério Público contra sentença absolutória proferida pelo Juízo Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Colinas do Tocantins, que acolheu o veredicto absolutório do Conselho de Sentença em favor de Kácio Muniz Silva, pronunciado pela suposta prática do crime de tentativa de feminicídio (art. 121, § 2º, VI c/c art. 14, II, do CP), em contexto de violência doméstica. A acusação sustenta que a decisão dos jurados, ao absolver o réu no quesito genérico, foi manifestamente contrária à prova dos autos.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) definir se é admissível a cassação do veredicto absolutório quando manifestamente contrário à prova dos autos; (ii) estabelecer se há contradição lógica nas respostas dos jurados que reconheceram materialidade, autoria e animus necandi, mas absolveram o réu; (iii) determinar se houve sustentação da tese de clemência em plenário, capaz de legitimar a absolvição.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, "c", da CF/1988, comporta exceção nos casos em que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, conforme o art. 593, III, "d", do CPP e precedentes do STF e do STJ.
4. A absolvição no quesito genérico, após o reconhecimento da materialidade, autoria e dolo homicida, revela flagrante incoerência lógica, pois não foi apontada excludente de ilicitude, de culpabilidade ou outra causa jurídica que justificasse o veredito.
5. A tese defensiva apresentada concentrou-se na ausência de animus necandi e tentativa de desclassificação para lesão corporal, não havendo, portanto, base fática nem registro em ata que sustente a absolvição por clemência.
6. As testemunhas presenciais, o relato policial e o histórico de violência confirmam a tentativa de feminicídio por parte do réu, sendo a consumação evitada apenas pela intervenção de terceiros, o que torna a absolvição manifestamente dissociada do conjunto probatório.
7. Precedentes do STJ e do TJTO reiteram que, na ausência de tese defensiva compatível com a absolvição e havendo contradição nas respostas dos jurados, é cabível a cassação do veredicto e a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
8. A retratação da vítima em juízo, sem respaldo probatório e sob contexto de possível coação moral decorrente da continuidade da convivência familiar, não tem força para desconstituir as provas anteriores.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso provido.
Tese de julgamento:
1. É cabível a cassação do veredicto absolutório do Tribunal do Júri quando este se mostra manifestamente contrário à prova dos autos, nos termos do art. 593, III, "d", do CPP.
2. A absolvição pelo quesito genérico, sem excludente de ilicitude ou culpabilidade, é incompatível com o reconhecimento da materialidade, autoria e dolo, especialmente quando a tese defensiva rejeitada pelos jurados foi a de negativa de animus necandi.
3. A clemência somente impede novo julgamento quando alegada expressamente em plenário, registrada em ata e compatível com as provas dos autos.
4. A retratação da vítima em contexto de violência doméstica, desacompanhada de prova idônea, não afasta a materialidade nem a autoria do crime de tentativa de feminicídio.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, "c"; CPP, arts. 483, § 2º, e 593, III, "d"; CP, arts. 121, § 2º, VI, e 14, II; Lei 11.340/06.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 1225185, rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 03.10.2024; STJ, AgRg no AREsp 2365829/SE, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, j. 21.05.2024; STJ, AgRg no REsp 1847635/MG, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 09.08.2022; TJTO, Ap. Crim. 0001069-12.2019.8.27.2706, rel. Des. João Rodrigues Filho, j. 27.05.2025.1
(TJTO , Apelação Criminal, 0004753-84.2020.8.27.2713, Rel. GIL DE ARAÚJO CORRÊA , julgado em 16/09/2025, juntado aos autos em 17/09/2025 16:56:31)