EMENTA: APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. PROVA IDÔNEA EM HARMONIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO DE TRÁFICO PARA USO PRÓPRIO. INVIABILIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA.
1. Demonstradas a materialidade e autoria delitivas do crime de tráfico de drogas, mormente pelas provas documental, pericial e testemunhal indicarem que o apelante foi preso guardando e tendo em depósito 6 invólucros de maconha, com peso total de 105,7g e 12 invólucros de cocaína, com peso total de 14,3g, a manutenção da condenação é medida que se impõe.
2. Segundo entendimento reiterado do Superior Tribunal de Justiça, os depoimentos de policiais são meios idôneos para a formação do édito condenatório, principalmente se em harmonia com as demais provas dos autos.
3. É irrelevante o fato de o recorrente não ter sido apanhado no momento da mercancia da droga, uma vez que vender, em tema de entorpecente, é apenas uma das condutas típicas e não condição sine qua non do delito de tráfico de drogas, haja vista que para sua configuração basta que a conduta se subsuma em um dos núcleos descritos no art. 33, da Lei nº 11.343/06, pois se trata de crime de ação múltipla.
4. A desclassificação da conduta de tráfico de drogas para o delito de uso de substância entorpecente somente é admitida diante da comprovação clara e segura da situação alegada, devendo ser afastada a pretensão diante do arcabouço probatório no sentido de que o réu guardava e tinha em depósito relevante quantidade e variedade de drogas, conduta esta admitida no tipo penal previsto no art. 33, da Lei nº 11.343/06.
PENA DE MULTA. PLEITO DE ISENÇÃO. ALEGAÇÃO DE POBREZA. IMPOSSIBILIDADE.
5. A condenação em pena de multa integra o preceito secundário do tipo penal, não havendo possibilidade de ser desonerada pelo julgador em razão da alegada hipossuficiência do réu, já que se trata de sanção de caráter penal e sua isenção violaria o princípio constitucional da legalidade. Precedentes do STJ.
6. Apelação conhecida e improvida.
VOTO
O recurso preenche os requisitos legais de admissibilidade, sendo adequado e tempestivo, razão pela qual merece CONHECIMENTO.
Conforme relatado, trata-se de Apelação interposta por CLEMILSON DE SOUZA SILVA em face da sentença (evento 41, autos originários) proferida nos autos da ação nº 0000148-55.2021.8.27.2715, em trâmite no Juízo da 1ª Escrivania Criminal da Comarca de Cristalândia, na qual foi condenado pela prática do crime descrito no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, cuja pena restou definitivamente fixada em 5 anos e 10 meses de reclusão – no regime inicial fechado – além de 500 dias-multa, no valor unitário mínimo.
Segundo se extrai da denúncia, no dia 12/11/2020, por volta das 10h, na Rua 9, em Cristalândia-TO, o ora apelante transportava e trazia consigo, para fins de tráfico, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, drogas, sendo 6 embalagens de substância entorpecente vulgarmente conhecida por maconha, com peso total de 107g e 13 embalagens contendo substância entorpecente conhecida por cocaína, com peso total de 107g.
Apurou-se que nas circunstâncias de tempo e local citadas, após receberem a informação de que o acusado estava traficando drogas na cidade, utilizando-se de uma camionete, policiais civis montaram campana e, feitas as diligências, abordaram-no, ocasião em que realizadas as buscas encontraram a quantia de R$ 419,00 (quatrocentos e dezenove reais) em dinheiro e 2 (dois) aparelhos celulares em poder do denunciado, e, no interior do veículo conduzido por ele, localizaram a droga acondicionada em uma sacola, mais especificamente embaixo do banco do motorista.
Em razão do fato, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, denúncia esta recebida em 28/05/2021. Feita a instrução, o d. magistrado a quo julgou procedente a pretensão punitiva estatal, condenando-o nos termos declinados em linhas pretéritas.
Em seu arrazoado (evento 62, autos de origem), o apelante aduz que a conduta não se enquadra na figura típica do art. 33, da Lei de Drogas, haja vista que além de não ser traficante, não foi encontrado consigo qualquer outro objeto que corroborasse a mercancia.
Alega que dada a quantidade ínfima das substâncias, estas se destinavam, exclusivamente, ao seu próprio consumo, pelo que requer a desclassificação do crime de tráfico de drogas para o delito previsto no art. 28, da mesma lei.
Adiante, no capítulo da dosimetria, pugna pelo afastamento da pena de multa, ao sustentáculo de que não possui condições financeiras para arcar com o montante arbitrado na origem.
Intimado a contra-arrazoar o recurso (evento 65, autos de origem), o apelado propugnou pelo conhecimento e improvimento do recurso, a fim de que a sentença seja mantida em seus exatos termos. No mesmo sentido opinou a d. Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer exarado no evento 6, dos autos epigrafados.
Não foram arguidas preliminares e inexistem nulidades a serem declaradas, pelo que passo a perscrutar o mérito da insurgência.
Como visto, a recorrente postula a absolvição e a desclassificação da conduta descrita na denúncia, sob o argumento de que o conjunto probatório angariado nos autos não cuidou em demonstrar atos típicos da traficância.
Destarte, avaliando os fatos narrados na denúncia em cotejo com as provas existentes nos autos, não há que se dar guarida ao pleito recursal, pois os elementos de convicção coligidos na fase inquisitorial, aliados àqueles obtidos em Juízo sob o crivo do contraditório, são mais do que suficientes para conduzir à certeza de que as substâncias entorpecentes encontradas com o apelante destinavam-se ao tráfico.
In casu, a materialidade do delito é induvidosa, estando ela estampada pelo boletim de ocorrência nº 65148/2020, auto de exibição e apreensão, exame pericial de constatação de substância (105,7g de maconha e 14,3g de cocaína), assim como os depoimentos colhidos na fase preliminar e ratificados em juízo (eventos 1 e 44, autos nº 0003966-49.2020.8.27.2715).
No que diz respeito à autoria, esta também é inconteste diante da prova oral produzida durante a instrução criminal.
Na fase inquisitiva, o apelante fez uso do seu direito constitucional ao silêncio (evento 4, autos do IP). Em juízo, entretanto, declarou que a droga apreendida é de sua propriedade, mas que a adquiriu apenas para seu uso; que colocou os entorpecentes no carro para que não fossem encontrados pelos sobrinhos que almoçam na sua residência; que usa nas proximidades da casa ou no mato; que o notebook apreendido é seu e que o rapaz ficou de passar a nota fiscal; que os celulares também são seus; que os policiais militares pediram as notas fiscais, mas não o deixou buscar; que o dinheiro era proveniente do seu serviço na cerâmica (evento 38, autos de origem).
Todavia, a versão do recorrente de que é mero usuário não convence, pois destoa das provas dos autos, como passo a expor.
Os depoimentos dos agentes policiais que procederam ao cumprimento de mandado de prisão nº 5000015-59.2020.8.27.2715.01.0001-20 - expedido em outros autos (nº 0000774-45.2019.8.27.2715) - na residência do acusado, foram harmônicos e coesos com os demais elementos de prova, consoante se depreende dos seguintes excertos:
A testemunha Lenivaldo Pinto dos Reis, agente de polícia civil, afirmou que dois meses antes da prisão do acusado tiveram a informação de que ele estava traficando e usando a camionete do pai. Realizaram campanas cerca de dois meses, observando a rotina do acusado que sempre conduzia a camionete, que era do pai dele, indo a locais onde tinham usuários, isso até sair o mandado de prisão. No momento do cumprimento do mandado de prisão, apreenderam os celulares em poder do acusado, além do notebook e o dinheiro no quarto do acusado. Ele não justificou a origem do dinheiro, nem do notebook, nem dos celulares. Realizaram buscas na camionete, que estava na garagem, e apreenderam a droga embaixo do banco do veículo. O acusado e a mãe acompanharam tudo. O acusado assumiu a propriedade da droga e tanto ele quanto a mãe afirmaram que o veículo era do pai dele (ev. 38, ATA1).
A testemunha Cídia Ceciliano de Carvalho, agente de polícia civil, afirmou que tinham informações de que o acusado tinha voltado a traficar e estava usando a camionete do pai. Fizeram o monitoramento do acusado por uns dois meses. Foram cumprir o mandado de prisão e o Lenivaldo encontrou a droga no veículo. No quarto do acusado, encontraram o notebook e o dinheiro. E com o acusado, os celulares. Ele assumiu que a droga era dele. A mãe do acusado acompanhou o cumprimento do mandado de prisão (ev. 38, ATA1).
Como visto, as circunstâncias de apreensão da droga traçadas pelos depoimentos policiais elucidam a prática criminosa, servindo como importante elemento de convicção na condenação do acusado.
Convém destacar que, além das testemunhas policiais não terem sido contraditadas, a orientação pretoriana é no sentido de que constituem prova idônea seus respectivos depoimentos, como de qualquer outra testemunha que não esteja impedida ou suspeita, notadamente quando prestados sob o crivo do contraditório, aliado ao fato de estar em consonância com o conjunto probatório, como na espécie.
A propósito, tal entendimento tem o beneplácito do magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, para quem “inexiste qualquer restrição a que servidores policiais sejam ouvidos como testemunhas. O valor de tais depoimentos testemunhais – especialmente quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório – reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-los pelo só fato de emanarem de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal, consoante adverte a jurisprudência dos Tribunais. Na realidade, o depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar – tal como ocorre com as demais testemunhas – que suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos” (HC 73518, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO). No mesmo sentido:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBO MAJORADO E RECEPTAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE PROVA. VALOR PROBANTE DO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO EVIDENCIADO. ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. (...) 4. Nos moldes da jurisprudência desta Corte, os depoimentos dos policiais têm valor probante, já que seus atos são revestidos de fé pública, sobretudo quando se mostram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos. Nessa linha: AgRg no AREsp n. 1.317.916/PR, Quinta Turma, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, DJe de 5/8/2019; REsp n. 1.302.515/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe de 17/5/2016; e HC n. 262.582/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe de 17/3/2016. 5. A conclusão da instância ordinária está em sintonia com a jurisprudência consolidada desta Corte, segundo a qual, no crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do paciente, caberia à defesa apresentar prova da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, sem que se possa falar em inversão do ônus da prova. 6. Writ não conhecido. (STJ. HC 626.539/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe 12/02/2021) - grifei
A pronta identificação do apelante como autor do crime de tráfico de drogas pelos policiais que o monitoraram por cerca de dois meses e efetuaram a apreensão da droga (6 invólucros de maconha, com peso total de 105,7g e 12 invólucros de cocaína, com peso total de 14,3g) no interior do veículo, que estava na garagem da residência, por declarações coesas e sem contradições, prestadas nas fases inquisitiva e judicial, são suficientes ao acolhimento da denúncia, não havendo que se falar em carência de provas ou que a condenação dera-se por presunção.
Em adendo, vigora no Processo Penal o princípio do livre convencimento motivado/persuasão racional, sendo lícito ao julgador apreciar livremente a prova judicializada, nos termos do artigo 155, do CPP, em busca da verdade real, proferindo sua decisão, contudo, de forma fundamentada, com o que não há qualquer impedimento de consideração no decreto condenatório.
Nesse contexto, é mister destacar que o contato pessoal do Juiz primevo com as partes e testemunhas adquire importância ainda maior, uma vez que é durante a audiência que o Magistrado tem a oportunidade de perceber as nuances das suas declarações, capazes de indicarem se estão faltando ou não com a verdade.
Frise-se que a autoria do tráfico de entorpecentes encontra respaldo não somente na prova oral, como também nas circunstâncias da apreensão da droga, restando devidamente comprovado que o recorrente traficava, não sendo demais asseverar que o tipo penal previsto no art. 33, da Lei nº 11.343/06 é de ação múltipla, em que são admitidas as 18 (dezoito) condutas, dentre as quais, ter em depósito e guardar drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Em outras palavras, o crime se consuma com a prática de qualquer um dos núcleos trazidos pelo tipo, não se exigindo efetivo ato de comercialização da droga.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO. MODALIDADE TENTADA. NÃO OCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DO ART. 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/06. NÃO INCIDÊNCIA. ACUSADO QUE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O tráfico ilícito de entorpecentes, crime plurinuclear ou de condutas múltiplas, formal, consuma-se com a prática de qualquer um de seus verbos (importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal). 2. Não se pode falar na tentativa delitiva, uma vez que, conforme consignado pela Corte de origem, o réu estava na posse de entorpecente que havia sido transportado do exterior, preenchendo assim indene de dúvidas os elementos do núcleo verbal "trazer consigo" e "transportar", configurando exaurimento do crime a hipótese do entorpecente chegar ao seu suposto destino (e-STJ fls.358). 3. Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto. 4. No presente caso, o Tribunal a quo, no ponto, consignou, a partir da análise das provas, que o acusado integra organização criminosa. Ora, para se acolher a tese de que o ora agravante não participa de organização criminosa, possibilitando a incidência do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, imprescindível o reexame das provas, procedimento sabidamente inviável na instância especial. Inafastável a incidência da Súmula n. 7/STJ. 5. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no AgRg no AREsp 1740701/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/12/2020, DJe 14/12/2020) - grifei
Vender, em tema de entorpecente, é apenas uma das condutas típicas e não condição sine qua non do delito de tráfico de ilícito, uma vez que deve ser considerado traficante não apenas quem comercializa entorpecente, mas todo aquele que de algum modo participa da produção, armazenamento e da circulação de drogas.
Oportuna a citação de julgado do STJ sobre a questão:
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. DELITO UNISSUBSISTENTE. REVISTA ÍNTIMA. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. MOMENTO DO INTERROGATÓRIO. RECURSO PROVIDO. (...) 4. É desnecessária, para a configuração do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, a efetiva tradição ou entrega da substância entorpecente ao seu destinatário final. Basta a prática de uma das dezoito condutas relacionadas a drogas para que haja a consumação do ilícito penal. Precedentes. 5. Em razão da multiplicidade de verbos nucleares previstos no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (crime de ação múltipla ou de conteúdo variado), inequívoca a conclusão de que o delito ocorreu em sua forma consumada, na modalidade "trazer consigo" ou "transportar". Vale dizer, antes mesmo da abordagem da acusada pelos agentes penitenciários, o delito já havia se consumado com o "trazer consigo" ou "transportar" drogas (no caso, 143,7 g de maconha), sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Inviável, por conseguinte, a aplicação do instituto do crime impossível. (...) 12. Recurso especial provido, nos termos do voto do relator. (STJ - REsp 1523735/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 26/02/2018) – grifei
Além disso, mesmo que seja demonstrada sua condição de toxicômano, certo é que, para se distinguir o usuário do traficante, não basta um fato isolado, mas sim, o conjunto de informações obtidas. Há de se levar em conta todos os fatores em que incidiram a prática criminosa. Ou seja, para a desclassificação do delito, não basta a mera alegação de que o acusado é usuário de substância entorpecente, circunstância que é perfeitamente compatível com o crime de tráfico previsto no art. 33, da Lei nº 11.343/06, inclusive. Antes, deve ser inequivocamente demonstrado que a droga tinha como destino o uso exclusivo do réu, o que não restou inconteste no caso sub judice.
E como já exaustivamente declinado, as circunstâncias da apreensão do entorpecente e as provas orais e documentais comprovam a prática do delito de tráfico de drogas, na modalidade trazer consigo, não havendo o mínimo espaço para incidência do princípio in dubio pro reo, tampouco para a desclassificação do delito para o tipo previsto no art. 28, caput, da Lei nº 11.343/2006.
Superada a questão, passo à análise da dosimetria da pena.
Como é sabido, o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja proporcionalmente necessária e suficiente para reprovação do crime.
Sabe-se também que o juiz, quando da fixação das penas, tem algum espaço discricionário para valorar as circunstâncias judiciais, objetivando a necessária prevenção e repressão do crime, sempre respeitando os limites previstos no tipo legal. A discricionariedade em questão deve vir acompanhada, para ser validada, de fundamentação idônea, sob pena de transmutar-se em arbitrariedade inaceitável.
O crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06), prevê pena de reclusão de 5 a 15 anos, e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.
Observa-se que na primeira fase do cálculo da reprimenda, o Magistrado de primeiro grau valorou todas as circunstâncias judiciais elencadas no art. 59, do Código Penal, fixando a pena-base no mínimo legal, isto é, em 5 anos de reclusão.
Na segunda etapa, não concorrem circunstâncias atenuantes da pena, tendo sido reconhecida a circunstância agravante da reincidência (autos nº 0000774-45.2019.8.27.2715), e, em razão dela, foi exasperada a pena-base em 1/6, tornando-se provisória em 5 anos e 10 meses de reclusão.
Na terceira etapa, não há incidência de causas especiais de aumento e/ou diminuição da pena, cujo quantum definitivo restou estabelecido em 5 anos e 10 meses de reclusão, além de 500 dias-multa à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo do fato.
Quanto à pena de multa, rejeito o pleito de exclusão ou redução formulado pela defesa.
Isso porque, a situação econômica do condenado não é causa de exclusão de pena, não se encontrando no sistema jurídico-penal brasileiro nenhuma previsão desta natureza; ao contrário, o artigo 60, do Código Penal1, prescreve que o magistrado, no momento da aplicação da pena de multa, deve atender, principalmente, à situação econômica do réu e não isentá-lo da sanção cabível.
Com efeito, ainda que se reconheça a condição de pobreza do apelante, impende destacar que não é possível a isenção da pena de multa, haja vista que esta é de aplicação obrigatória, tratando-se de sanção que integra o preceito secundário do tipo penal.
Noutras palavras, não compete ao julgador, sob qualquer pretexto não previsto na própria legislação, isentar alguém da pena estabelecida pelo legislador ordinário, já que, assim, estaria criando nova norma, ferindo sobremaneira o princípio constitucional da legalidade. A propósito:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENA DE MULTA. ISENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não se admite a isenção da pena de multa prevista no preceito secundário da norma penal incriminadora, por falta de previsão legal. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1708352/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/11/2020, DJe 04/12/2020)
Na espécie, o que se verifica é que a pena pecuniária foi aplicada de forma proporcional à pena privativa de liberdade não havendo reparos a serem efetivados. Inclusive, o juízo sentenciante arbitrou os respectivos dias-multa no menor valor unitário possível, ou seja, um trigésimo do salário-mínimo.
Assim, impossível afastar a pena de multa nos moldes requeridos pelo apelante.
Por derradeiro, tendo em vista que a pena corpórea não ultrapassou os oito anos, mas que o apelante é reincidente, mantenho o regime inicial fechado de cumprimento da pena, tal como consignado na sentença, nos termos do art. 33, § 2º, “a” e “b”, do Código Penal2, sendo impossível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por não atender aos requisitos do art. 44, do Código Penal.
Ante todo o exposto, acolhendo o parecer do Órgão de Cúpula Ministerial, voto no sentido de conhecer e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, para manter incólume a sentença que condenou o apelante à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão – no regime inicial fechado – além de 500 dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06.