EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO FICTA EM RAZÃO DA COVID-19. COMPARECIMENTO EM JUÍZO SUSPENSO DURANTE A PANDEMIA. CONTAGEM DO PERÍODO DE SUSPENSÃO COMO PENA CUMPRIDA. POSSIBILIDADE. TEMA 1.120 DO STJ.
1. Consoante acórdão proferido no julgamento do REsp n.º 1.953.607/SC (TEMA 1.120), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reconheceu como cumprida a obrigação de comparecimento em juízo suspensa em virtude da pandemia, considerando "desproporcional o prolongamento da pena sem a participação do apenado em tal retardamento".
2. Recurso provido para reformar a decisão recorrida e, com isso, reconhecer como cumprida a determinação de comparecimento em juízo durante o prazo em que ficou suspensa por causa da pandemia de COVID-19, determinando ainda a expedição de novo atestado de pena com a contabilização do período de suspensão como pena cumprida.
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, o recurso deve ser conhecido.
O caso dos autos versa sobre a possibilidade de remição ficta, tendo em vista o afastamento dos detentos das atividades em decorrência da pandemia pelo COVID-19.
Pois bem.
A remição é um benefício de execução penal garantido ao preso em regime fechado e semiaberto e prevê o resgate de um dia de pena a cada três dias trabalhados. Está disposto no artigo 126, da LEP, in verbis :
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.
A remição ficta, por sua vez, seria a possibilidade de se ofertar esse resgate aos presos que não realizaram o trabalho, pois estão impossibilitados de prosseguir nas tarefas em razão de ter sofrido acidente do trabalho.
Cumpre destacar que os casos em que é possível a remição ficta estão expressamente consignados no dispositivo legal supracitado que, inclusive, não possui interpretação extensiva, tal como já decidiu o STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO FICTA. ADMISSIBILIDADE SOMENTE NAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 126 DA LEP. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES DESTA CORTE. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, a remição ficta somente é admitida nas hipóteses legalmente previstas no art. 126, caput, da LEP, que elenca para tal finalidade apenas o trabalho e estudo. Não pode a suposta omissão Estatal ser utilizada como causa a ensejar a concessão ficta de um benefício que depende de um real envolvimento da pessoa do apenado em seu progresso educativo e ressocializador. 2. Com efeito, da mesma forma que os estudos, prioriza-se as horas efetivas de trabalho. Só assim é possível analisar o real comportamento do apenado e sua intenção de ressocialização. 3. A Defesa pretende, em síntese, que sejam cassadas as decisões das instâncias ordinárias, que indeferiram o pleito do paciente de homologação da remição ficta, pelo tempo em que teria ficado impedido de trabalhar em virtude da pandemia [...] Não assiste razão à impetrante, uma vez que é firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, na ausência de expressa previsão legal - a exemplo da regra existente relativa aos reeducandos que venham a sofrer acidente laboral, do art. 126, § 4º, da LEP - não está autorizada a remição ficta da pena do preso que deixou de trabalhar, somente se podendo considerar, para fins de remição, o tempo de trabalho ou de estudo efetivamente cumprido pelo sentenciado (HC 651.897, Relator Ministro FELIX FISCHER, data da publicação: 4/5/2021). 4. Agravo regimental não,provido. (STJ - AgRg no RHC: 146760 MA 2021/0133605-6, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 08/06/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2021)
Apesar de ser um assunto recente, tendo em vista a ocorrência da pandemia pelo COVID-19, o tema já conta com jurisprudência nos Tribunais pátrios que, na ampla maioria, adota o mesmo posicionamento no sentido de que, na ausência de expressa previsão legal - a exemplo da regra existente relativa aos reeducandos que venham a sofrer acidente laboral, do art. 126, § 4º, da LEP - não está autorizada a remição ficta da pena do preso que deixou de trabalhar, somente se podendo considerar, para fins de remição, o tempo de trabalho ou de estudo efetivamente cumprido pelo sentenciado, tal como vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça.
Ocorre que no dia 14.9.2022 a Corte Superior de Justiça encerrou o julgamento do REsp N.º 1953607/SC (trânsito em julgado no dia 4.11.2022), afetado pelo sistema dos recursos repetitivos e fixou a seguinte tese, representada no TEMA 1.120:
“Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, §4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.”
Embora a tese firmada trate sobre o estudo e trabalho dos apenados em regime fechado, o acórdão do aresto trouxe análise do tema tratado neste agravo e que diz respeito à suspensão da obrigatoriedade do comparecimento em juízo durante a pandemia.
Com efeito, de acordo com o entendimento da Sexta Turma do STJ, considera-se desproporcional o prolongamento da pena sem a participação do apenado em tal retardamento, verbis:
“[...] 10. Ainda que não sobre idêntica temática, mas também afeto ao campo da execução penal, a Sexta Turma em precedente recente reconheceu como cumprida a obrigação de comparecimento em juízo suspensa em virtude da pandemia, considerando "desproporcional o prolongamento da pena sem a participação do apenado em tal retardamento." (REsp n. 1.953.607/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 14/9/2022, DJe de 20/9/2022.)
Nota-se que a posição do Colegiado reconheceu como cumprida a obrigação do comparecimento do apenado em juízo suspensa em razão da pandemia, exatamente o caso que se apresenta nestes autos.
Assim, já não cabe mais qualquer discussão sobre o assunto, tendo em vista o novo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça exarado sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Ante ao exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao agravo para reformar a decisão recorrida e, com isso, reconhecer como cumprida a determinação de comparecimento em juízo durante o prazo em que ficou suspensa por causa da pandemia de COVID-19, determinando ainda a expedição de novo atestado de pena com a contabilização do período de suspensão como pena cumprida.