Conforme relatado, trata-se de Habeas Corpus Coletivo, com pedido liminar, impetrado em favor de todas as PESSOAS IDOSAS RECOLHIDAS NAS UNIDADES PRISIONAIS DO ESTADO DO TOCANTINS, em face de ato imputado a TODOS OS JUÍZES COM COMPETÊNCIA CRIMINAL.
Neste writ, a impetrante busca a soltura de todas as pessoas idosas recolhidas nas unidades prisionais do Estado do Tocantins, por supostamente estarem enquadradas na previsão da alínea “a”, inciso I, do artigo 4º, da Recomendação no 62, de 17 de março de 2020 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Fundamenta seu pleito em alegada condição de vulnerabilidade dos pacientes em razão da pandemia, relacionada à disseminação e contaminação do novo coronavírus, causador da Covid-19, haja vista possuírem idade igual ou superior a sessenta anos.
Sustenta que as ações de saúde pública necessárias para preservação dos pacientes justificam a medida postulada, inclusive porque os estabelecimentos prisionais não dispõem de estrutura para ofertar o cuidado aos detentos, ainda mais por se encontrarem superlotados.
Assegura estarem presentes requisitos autorizadores da medida, anexando relatórios extraídos do sistema SISDEPEN (sistema de informações do Departamento Penitenciário Nacional), informando o nome e o local de custodia de todos os presos privados de liberdade por decisão transitada ou não em julgado, chegando à soma de aproximadamente 210 pessoas.
Colaciona diversos julgados com proximidade do escopo temático, como forma de corroborar a tese lançada.
Ao final, requer, liminarmente, a concessão da ordem para revogação de todas as prisões preventivas e temporárias decretadas contra pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Subsidiariamente, requer a concessão de prisão albergue domiciliar por motivos humanitários a todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos presas provisoriamente por decisões de primeira instância, bem como a imediata concessão de prisão domiciliar para todas as pessoas idosas em cumprimento de pena, com sentença penal transitada em julgado ou não.
No mérito, requer a confirmação do pedido urgente.
O pleito liminar não foi concedido (Evento 2).
Desnecessária a notificação das autoridades tidas como coautoras para prestar informações, ante a generalidade do polo passivo.
Em parecer, a Procuradoria Geral de Justiça requereu a reunião por prevenção do presente writ ao Habeas Corpus no 0004766- 25.2020.8.27.2700.
De início, destaca-se que a prisão preventiva não ofende o princípio da presunção de inocência, assegurado pela Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), a qual garante que ninguém será privado de sua liberdade física, salvo nos casos e condições previamente fixadas pelas constituições ou pelas leis de acordo com elas promulgadas (artigo 7o).
Com efeito, a previsão do artigo 5o, inciso LVII, da Constituição Federal, garantidora da presunção de inocência, não é afrontada pela prisão cautelar. A medida, ainda que excepcional, a teor do disposto nos incisos LIV e LXI, do citado artigo, não se fundamenta em cumprimento antecipado de pena eventualmente imposta, mas em bases cautelares, ante um juízo de necessidade da medida.
Em nosso ordenamento jurídico, a decretação da prisão preventiva, está vinculada à prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria. Tendo como finalidade a defesa da ordem pública ou econômica, ou a preservação da instrução criminal e a aplicação da lei penal.
No caso vertente, depreende-se que a Defensoria Pública do Estado do Tocantins pretende, de forma genérica, abarcar todas as pessoas idosas recolhidas nas unidades prisionais do Estado do Tocantins, com a concessão da ordem de revogação de suas prisões, com fundamento em suposta condição de vulnerabilidade em razão da Covid-19.
Verifica-se que tal medida se destina aos presos ergastulados que se encontrem no grupo de risco por infecção pelo novo Coronavírus (Covid-19), com cormobidades pré-existentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio.
Utiliza como base de seu pleito, a Recomendação no 62, de 17 de março de 2020 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, relacionada especificamente ao artigo 4º, inciso I, alínea “a”:
“Art. 4º Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas: I – a reavaliação das prisões provisórias, nos termos do art. 316, do Código de Processo Penal, priorizando-se: a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco”.
Contudo, denota-se que o mencionado artigo estabelece que deva ser observado o contexto local de disseminação do vírus, bem como haver uma reavaliação dos casos específicos de prisões provisórias, e não a imediata implementação de soltura dos mesmos.
Ressalta-se ainda que a referida recomendação trata dos casos específicos de presos provisórios, o que não se aplica ao presente Habeas Corpus, vez que os relatórios anexos do sistema SISDEPEN, revelam o envolvimento também de presos com condenação, inclusive definitiva com trânsito em julgado.
Ademais, não existem registros ou mesmo suspeitas de infecção pelo novo Coronavírus em presídios do Estado do Tocantins, cumprindo destacar que a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins adotou medidas no sentido de prevenção e combate a transmissão da Covid-19 nos estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, visando garantir a saúde dos detentos e agentes penitenciários, como, por exemplo: distribuição de equipamentos de proteção individual para os servidores, aquisição de álcool em gel, álcool líquido e luvas, suspensão das visitas e entrega particular de alimentos, e, ainda, a fabricação de máscaras, pelos próprios detentos, que serão distribuídas à população carcerária.
No mesmo sentido, foi à manifestação do Ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública ao conceder entrevista coletiva acerca da desnecessidade de temor com relação à população carcerária, (conforme reportagem disponibilizada em 31 de março de 2020 pelo site Agência Brasil - https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-03/nao-ha-motivo-para-temor-diz-moro - sobre-coronavirus-em-presidios, acessado em 01/04/2020 às 15:45), afirmando:
“[...] na China foi registrada a contaminação de 800 detentos, em uma população carcerária de 1,7 milhão, o que representa 0,047% do total. Na Itália, país que já registrou cerca de 10 mil óbitos da doença, o número de presos infectados também é pequeno, apenas 10, em uma população carcerária de 60 mil pessoas. Há um ambiente de relativa segurança para o sistema prisional em relação ao coronavírus pela própria condição do preso de estar isolado da sociedade [...] Não existe nenhum óbice da parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública de que solturas pontuais sejam adotadas, relacionadas principalmente a presos que estavam e regime de semi-liberdade, desde que não ofereçam riscos maiores à segurança e, eventualmente, a grupos de risco. O que tem que se tomar um certo cuidado é a soltura de presos que possam oferecer riscos à população, como, por exemplo, membros do crime organizado e, infelizmente, temos visto algumas notícias nesse sentido”.
À vista disso, registro que o Ministro MARCO AURÉLIO, em 17/3/2020, ao decidir em sede de tutela provisória incidental na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF no 347, não determinou a soltura imediata dos detentos, tendo apenas conclamado os juízes de execução penal a adotarem, quanto à população carcerária, se possível e dependendo do caso, procedimentos preventivos do Ministério da Saúde, por conta do quadro revelador de pandemia relacionada ao Covid-19, visando evitar o avanço da doença nos presídios.
Com efeito, na sessão presencial do Supremo Tribunal Federal realizada em 18/3/2020, o Plenário da Suprema Corte decidiu não referendar a decisão do Ministro MARCO AURÉLIO, nos termos do voto do Ministro ALEXANDRE DE MORAES, quanto à pandemia provocada pela Covid-19, vez que as medidas para evitar o contaminação de presos foram tomadas pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, mantendo assim, as prisões levadas a efeito, ressaltando que cabe ao juízo local avaliar a situação de cada preso, de forma específica e individualizada, nos termos da Recomendação no 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça.
Entretanto, não há óbice para que a defesa apresente no juízo de origem o pedido para reavaliação da situação específica do custodiado, observando-se a gravidade concreta da conduta imputada ao mesmo, e se possível, a depender do caso, sejam aplicadas algumas das medidas elencadas na recomendação supramencionada.
Quanto à alegação de inviabilidade de adoção das recomendações preventivas nas atuais condições do sistema carcerário tocantinense, ou seja, de que internados, os pacientes, estriam mais suscetíveis à contaminação pelo Coronavírus, entendo que tal argumento não procede, pois, como bem alertado pela Organização Mundial de Saúde - OMS, estamos todos suscetíveis ao vírus, não sendo a internação um fator determinante para o contágio, principalmente se observadas as diversas medidas adotadas pela Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins.
À vista disso, entendo que não pode prevalecer o argumento exclusivo da pandemia do novo Coronavírus como escudo para concessão da medida pleiteada, até porque, ao que tudo indica, com todas as medidas adotadas, o isolamento no estabelecimento prisional se mostra mais eficaz do que no mundo exterior, onde não se tem nenhuma garantia de que o paciente fará o isolamento domiciliar.
Posto isso, voto por não conceder a ordem pleiteada, confirmando a Decisão monocrática constante do Evento 2, por entender que não pode prevalecer o fundamento da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19) como escudo para concessão indiscriminada da medida pleiteada.