EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REDUÇÃO DE MENSALIDADE DO CURSO DE ODONTOLOGIA. PANDEMIA DA COVID-19. IMPOSSIBILIDADE. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL NÃO CONFIGURADO. CONTRATO CUMPRIDO PELO PRESTADOR, AINDA QUE DE MODO DIVERSO. REESTRUTUÇÃO E AQUISIÇÃO DE APARELHAMENTO TECNOLÓGICO PARA AS AULAS ONLINE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. In casu, a apelante requer a redução da mensalidade no percentual de 50% (cinquental por cento) em razão da pandemia ocasionada pela COVID-19.
2. Não se pode ignorar as difíceis circunstâncias que a pandemia da COVID-19 acarretou a toda população, sejam financeiras, psicológicas e sociais, afetando diretamente as relações de consumo.
3. Por oportuno, a instituição de ensino ainda que de forma diversa da contratada, está fornecendo os serviços educacionais, ministrando as aulas remotamente, dando cumprimento ao contrato. É certo também que a requerida possui despesas fixas contínuas como os salários de seu corpo docente, manutenção de suas instalações, etc., e ainda que alguns custos possam ter sido reduzidos, outros não previstos advieram, como por exemplo, a aquisição de aparelhamento tecnológico para o fornecimento das aulas online e a manutenção desse sistema, que se sabe não é barato.
4. A superveniência da pandemia causada pela COVID-19 não acarreta, por si só, o desequilíbrio contratual.
5. Recurso conhecido e improvido.
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, uma vez que é próprio e tempestivo; a parte apelante tem legitimidade e interesse recursal; o preparo foi dispensado (artigo 98, do CPC); e, por fim, houve a impugnação específica dos fundamentos da sentença.
Em que pese erro crasso do procurador ao descrever como sendo apelante VICTOR SOUZA BOTELHO, verifica-se que houve impugnação aos fundamentos da sentença e trata-se de mero erro material, devendo constar como apelante MARIANNA MENDES DO PRADO.
Sendo assim, conheço da apelação cível interposta.
Em síntese, a apelante requer a concessão da redução de 50% ou, alternativamente, 30%, sobre o valor das mensalidades referentes às disciplinas contratadas nos períodos de 2020/1 e 2020/2, conforme comprovantes de matrícula.
Pois bem.
Em que pesem os fundamentos, sem razão.
Explico.
A apelante embasa seu pedido na presunção de que houve redução do custo operacional da instituição de ensino e a redução na qualidade das aulas, o que autoriza o desconto nas mensalidades de 50% (cinquenta por cento) a 30% (trinta por cento), enquanto perdure o ensino à distância.
Não se pode ignorar as difíceis circunstâncias que a pandemia da COVID-19 acarretou a toda população, sejam financeiras, psicológicas e sociais, afetando diretamente as relações de consumo.
Contudo, percebe-se que a requerida também enfrentou percalços com a excepcionalidade do distanciamento social, em especial com a aquisição de equipamentos tecnológicos para a realização das aulas online, capacitação dos professores, estratégias de ensino à distância, sendo que os precedentes de nosso e. Tribunal de Justiça, apreciados em sede de Agravo de Instrumento, apontam para a impossibilidade, tout court, da redução das mensalidades, como pretende a autora, considerando os fundamentos que se extraem das ementas de julgados abaixo colacionadas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE ENSINO. PANDEMIA COVID-19. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DE 30 % NAS MENSALIDADES ESCOLARES. ALEGAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. SUSPENSÃO DAS AULAS PRESENCIAIS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA E AMPLA DEFESA. LIMINAR INDEFERIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Dentro do juízo de revisão típico e restrito dessa modalidade recursal, após analisar as alegações dos agravantes em cotejo com as provas até então produzidas, verifico que não há razão ou fundamento apto a modificar o entendimento sedimentando pelo Juízo singular, mormente porque, apesar de reconhecer a situação extrema e excepcional decorrente da pandemia do COVID-19, o fato a ser considerado é que estamos frente a possível desequilíbrio no contrato de prestação de serviços educacionais, porém restrito à esfera patrimonial das partes e, portanto, sujeito a renegociações e concessões mútuas ou, ainda, mediante dilação probatória e contraditório efetivo, não existindo parâmetro para proceder liminarmente a revisão das bases contratuais. 2. Importa dizer que os efeitos nefastos da atual pandemia (COVID19) certamente possuem potencial para causar desequilíbrio contratual, porém as partes devem, em primeiro momento tentar a repactuação e renegociação, não havendo elementos suficientes nos autos para estabelecer como adequada a redução de 30% nas mensalidades escolares, sendo certo que eventual intervenção do Judiciário para revisar as bases contratuais depende de ampla dilação probatória e do exercício pelo da ampla defesa e do contraditório, não sendo possível ou mesmo razoável impor como adequada a redução de 30% no valor das mensalidades, como pretendem unilateralmente os agravantes. 3. Recurso improvido. (Agravo de Instrumento 0007268-34.2020.8.27.2700, Rel. ANGELA MARIA RIBEIRO PRUDENTE, GAB. DA DESA. ANGELA PRUDENTE, julgado em 25/11/2020, DJe 10/12/2020 10:32:34)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REDUÇÃO DAS MENSALIDADES UNIVERSITÁRIAS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. DECISÃO SINGULAR MANTIDA. 1.1. Mostra-se escorreita a decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência, consistente na determinação, às instituições de ensino superiores, de reduzir as mensalidades universitárias, suspender cobrança de encargos pelo atraso no pagamento, dentre outros, enquanto perdurar a suspensão das atividades presenciais, uma vez que, inobstante alegue-se que deve haver reduções das mensalidades dos alunos diante da suspensão das atividades presenciais, em cognição sumária, não é possível inferir que as instituições de ensino agravadas tiveram diminuição de seus gastos, sobretudo porque parte deles são fixos, como manutenção do quadro de funcionários e professores, impostos, infraestrutura, sendo que a economia de certos insumos é irrisória. 1.2. Não se ignora que as universidades possuem o ônus de suportar parte dos prejuízos, decorrentes da crise econômica, contudo a redução das mensalidades, ou o deferimento das outras medidas pleiteadas, devem ser analisadas caso a caso, sob a particularidades de cada aluno, e não de forma geral, sob pena de onerar parte adversa de forma desproporcional e desnecessária. (Agravo de Instrumento 0009307-04.2020.8.27.2700, Rel. MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS, GAB. DO DES. MARCO VILLAS BOAS, julgado em 25/11/2020, DJe 04/12/2020 22:35:01).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RELAÇÃO PROCESSUAL COMPLETA. JULGAMENTO DEFINITIVO CABÍVEL. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. INAPLICABILIDADE DE LEI ESTADUAL. REDUÇÃO DE MENSALIDADE ESCOLAR. PANDEMIA COVID-19. CAUSA DE PEDIR. POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. CONTRATOS PRIVADOS. DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO. RECURSO IMPROVIDO. [...]. 2. Dentro do juízo de revisão típico e restrito dessa modalidade recursal, onde é permitido apenas sindicar o acerto da decisão agravada, porém sem incursionar sobre o mérito da lide, tenho que o Estado/agravante não logrou demonstrar qualquer fato ou fundamento capaz de infirmar a decisão combatida, mormente porque a Lei Estadual 3.682/2020 trouxe imposição de descontos de até 40% sobre as mensalidades escolares, de forma indiscriminada e sem se basear em critérios objetivos, demonstrando a temeridade em se manter em vigor tal norma, com potencial de causar lesão a inúmeras entidades de ensino privadas, inclusive a agravante, interferindo nas bases contratuais e no "pacta sunt servanda". 3. Além do que a decisão guerreada apontou com propriedade a probabilidade do direito em favor da autora/agravada, diante da possível inconstitucionalidade material e formal da norma, com base em precedentes do STF e apoiada no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal. 4. Recurso improvido. (Agravo de Instrumento 0010796-76.2020.8.27.2700, Rel. ANGELA MARIA RIBEIRO PRUDENTE, GAB. DA DESA. ANGELA PRUDENTE, julgado em 11/12/2020, DJe 18/12/2020 11:46:41).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REDUÇÃO DAS MENSALIDADES UNIVERSITÁRIAS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. DECISÃO SINGULAR MANTIDA. 1.1. Mostra-se escorreita a decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência, consistente na determinação, às instituições de ensino superiores, de reduzir as mensalidades universitárias, suspender cobrança de encargos pelo atraso no pagamento, dentre outros, enquanto perdurar a suspensão das atividades presenciais, uma vez que, inobstante alegue-se que deve haver reduções das mensalidades dos alunos diante da suspensão das atividades presenciais, em cognição sumária, não é possível inferir que as instituições de ensino agravadas tiveram diminuição de seus gastos, sobretudo porque parte deles são fixos, como manutenção do quadro de funcionários e professores, impostos, infraestrutura, sendo que a economia de certos insumos é irrisória. 1.2. Não se ignora que as universidades possuem o ônus de suportar parte dos prejuízos, decorrentes da crise econômica, contudo a redução das mensalidades, ou o deferimento das outras medidas pleiteadas, devem ser analisadas caso a caso, sob a particularidades de cada aluno, e não de forma geral, sob pena de onerar parte adversa de forma desproporcional e desnecessária. (Agravo de Instrumento 0009771-28.2020.8.27.2700, Rel. MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS, GAB. DO DES. MARCO VILLAS BOAS, julgado em 27/01/2021, DJe 05/02/2021 19:12:20).
Tem-se que é unânime a decisão deste Tribunal de Justiça quanto à não concessão dos descontos pretendidos na inicial.
Em que pese à dificuldade no aprendizado via plataforma digital, o uso da tecnologia foi a única saída encontrada pelas instituições de ensino para viabilizar a continuidade dos trabalhos que, como sabido, foi ocasionado de forma inesperada e excepcional.
Tal fato demonstra que a requerida empreendeu novos mecanismos e investimentos para que as aulas fossem realizadas via internet de maneira excepcional, dado o contexto trazido pela pandemia, impondo a ela também a necessidade de se readequar à nova realidade.
Ademais, ainda que de forma diversa da contratada, a requerida está fornecendo os serviços educacionais, ministrando as aulas remotamente, dando cumprimento ao contrato. É certo também que a requerida possui despesas fixas contínuas como os salários de seu corpo docente, manutenção de suas instalações, etc., e ainda que alguns custos possam ter sido reduzidos, outros não previstos advieram, como por exemplo, a aquisição de aparelhamento tecnológico para o fornecimento das aulas on line e a manutenção desse sistema, que se sabe não é barato.
Por fim, a superveniência da pandemia causada pela COVID-19 não acarreta, por si só, o desequilíbrio contratual, sendo de observar que, no caso dos autos, a apelante sustenta tão somente a ocorrência de uma redução dos gastos operacionais da requerida e perda da qualidade do ensino remoto, este último alheio à vontade da ré, não existindo nos autos qualquer prova nesse sentido (desequilíbrio contratual oneroso), ônus que cabia à requerente (CPC, art. 373, I).
Assim, entendo não ter restado devidamente provado o direito alegado pela apelante, logo, incube ao autor a prova de seu direito e, inexistindo esta, a causa não pode ser decidida em favor daquele que não se desincumbiu de prová-la.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e, no mérito NEGAR PROVIMENTO. Majoro os honorários advocatícios para o percentual de 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, inexigibilidade suspensa, nos termos do artigo 98, do CPC.